O imóvel onde funciona a Casa da Cultura, para além da utilização inicial como habitação particular de uma importante família setubalense, acolheu durante décadas o emblemático Círculo Cultural de Setúbal. O significado e amplitude da actividade interventiva desta associação no meio cultural e artístico da Cidade conferiu ao edifício uma história incontornável que tentaremos contar em breves linhas.

O Círculo Cultural de Setúbal distinguiu-se, desde os primeiros dias de existência por um conjunto de iniciativas de âmbito cultural e artístico que rapidamente marcaram os jovens associados e frequentadores, muito apoiados, na iniciativa, por outras associações já activas na Cidade, como a Academia de Música e Belas Artes Luísa Todi, o Clube de Campismo de Setúbal ou, ainda, a Casa do Pessoal da CPMC (Barreiros-Volkswagen).

Como nos informa um dos fundadores, a Cidade de Setúbal assistia, nos anos 60 do século passado “a um desenvolvimento comercial e industrial extraordinário”. No entanto, lembrava, havia apenas uma livraria para todos os habitantes e era necessário, por outro lado, incutir o gosto pela leitura.

Segundo se apura, o Círculo Cultural de Setúbal foi fundado no ano de 1969, a partir do Centro de Estudos Humanísticos, cuja actividade decorria como Secção Cultural do Clube de Campismo de Setúbal e integrava um grupo de jovens estudantes e trabalhadores locais. Em Janeiro do ano seguinte o Círculo sediou-se na Avenida 5 de Outubro, onde, no último andar do prédio n.º 87, passou a desenvolver a respectiva actividade. Poucos dias após o 25 de Abril de 1974, os serviços do Círculo ocuparam o primeiro andar do imóvel da Rua Detrás da Guarda, edifício da actual Casa da Cultura, aqui permanecendo até à interrupção das respectivas actividades.

A escritura notarial pela qual se legalizou o Círculo Cultural de Setúbal, que viria a incorporar uma “Secção Escolar”, foi celebrada no dia 28 de Abril de 1969, sendo outorgantes António Augusto Santos de Jesus, António Manuel do Nascimento Fráguas, Carlos M. L. Tavares da Silva e Tito Lívio de Souza Aguiar. Alguns deste nomes estão entre os jovens fundadores do Círculo Cultural de Setúbal. A estes devem acrescentar-se, ainda, os de Dimas Pereira, Fernando Cardoso, Maria Emília Pereira e Mário Brandão Ferreira.

Em 2 de Junho daquele mesmo ano viria a ser apresentado no Governo Civil do Distrito de Setúbal o pedido de aprovação dos respectivos Estatutos.

Fernando Cardoso, que integrou os corpos sociais do Círculo, em entrevista concedida à Cetóbriga, Revista de Arte, Investigação, Turismo e Actualidades do Distrito de Setúbal, no número de Janeiro de 1970, informa-nos, no entanto, que o Círculo Cultural de Setúbal foi constituído em 23 de Junho de 1969, tendo em consideração, provavelmente, a data de aprovação dos correspondentes Estatutos.

De acordo com o Artigo 2.º daquele documento, entre as finalidades do Círculo, encontra-se a de “organizar espectáculos, conferências, colóquios, mesas redondas, exposições, fundar uma biblioteca, publicar boletins, jornais e revistas, fomentar o estudo da Arqueologia e da Etnografia regionais e, de uma maneira geral, promover todas as actividades conducentes à melhor preparação dos seus associados”.

É assim que, logo no primeiro ano de existência, o Círculo promoveu uma visita de estudo ao arqueosítio romano de Tróia, guiada por Carlos Tavares da Silva; um curso de iniciação à Fotografia [em colaboração com a firma setubalense Grão Foto]; o 1.º Encontro de Cineastas Amadores de Setúbal e do Barreiro; uma Exposição de Arte Fotográfica [patente nas montras das casas comerciais da baixa de Setúbal]; a criação de um Centro de Iniciação Estética (Pintura e Escultura), dirigido por Lurdes Pedro; a organização de um Núcleo de Cinema Experimental que produziu curtas metragens ilustrando um poema de Sebastião da Gama e sobre o Carnaval de Setúbal; um Núcleo de Cultura Cinematográfica que dirigia o “Guia do Espectador” publicado no jornal Notícias de Setúbal; uma homenagem a Sebastião da Gama, com sessão de autógrafos, antecedida de palestra pela escritora Matilde Rosa Araújo, autora do prefácio da obra O Segredo é Amar; a representação de Antígona de Jean Anouilh (1910-1987), pelo Clube de Teatro Primeiro Acto; um colóquio sobre o dramaturgo Romeu Correia; Uma Semana sobre Problemas de Alimentação Humana e um Curso de iniciação à alimentação racional, por Dr. Júlio Roberto, director do Instituto Técnico de Alimentação Humana, com a duração de 2 meses; uma palestra pelo médico setubalense Dr. Mário Carqueijeiro; um Colóquio sobre Poesia, com a presença do poeta setubalense César Pratas; tardes de Cinema Infantil [com filmes cedidos por algumas Embaixadas e projectados com as máquinas e por técnicos da “Fábrica Barreiros”] e, finalmente a projecção do filme português Berlarmino, do realizador Fernando Lopes, numa versão de 16 milímetros.